revista / edicao 333 / rolando-de-nassau-toda-musica-sacra-e-religiosa-mas-nem-toda-musica-religiosa-e-sacra
Rolando de Nassau: Toda música sacra é religiosa, mas nem toda música religiosa é sacra
O
carioca de 82 anos Roberto Torres Hollanda, mais conhecido pelo
pseudônimo Rolando de Nassau, é crítico musical d’“O Jornal Batista”
desde dezembro de 1951, quando tinha acabado de completar seu 22°
aniversário. Formado em direito e administração, casado, duas filhas,
Hollanda tem três livros publicados: “Introdução à Música Sacra” (1957),
“Nassau -- dicionário de música evangélica” (1994) e “Bach -- vida e
obra sacra”, além da tradução de “La Prière d'après les Catéchismes de
la Reformation”, de Karl Barth. É crente em Jesus há 70 anos, desde a
adolescência, quando ouviu um sermão pregado por uma mulher. Ele entende
que um dos pontos negativos da atual produção hinódica é “a
insuficiência de hinos que levem o pecador ao arrependimento, à
confissão e santificação”.
carioca de 82 anos Roberto Torres Hollanda, mais conhecido pelo
pseudônimo Rolando de Nassau, é crítico musical d’“O Jornal Batista”
desde dezembro de 1951, quando tinha acabado de completar seu 22°
aniversário. Formado em direito e administração, casado, duas filhas,
Hollanda tem três livros publicados: “Introdução à Música Sacra” (1957),
“Nassau -- dicionário de música evangélica” (1994) e “Bach -- vida e
obra sacra”, além da tradução de “La Prière d'après les Catéchismes de
la Reformation”, de Karl Barth. É crente em Jesus há 70 anos, desde a
adolescência, quando ouviu um sermão pregado por uma mulher. Ele entende
que um dos pontos negativos da atual produção hinódica é “a
insuficiência de hinos que levem o pecador ao arrependimento, à
confissão e santificação”.
Que nome o senhor daria aos cânticos que mais se cantam hoje, antigamente chamados de “corinhos”?
Usamos
a expressão “música cristã popular” para designar os cânticos não
estabelecidos pelas normas litúrgicas ou práticas de culto das igrejas
(católicas, ortodoxas, protestantes, evangélicas, pentecostais e
neopentecostais) e de suas comunidades locais. Por não serem litúrgicos,
são livremente entoados nos lares, nos templos e nos logradouros
públicos e difundidos pelo rádio, televisão e internet. Pertencem à
música de entretenimento. Nos primórdios do meu ofício de crítico
musical, suscitei uma reação à má qualidade dos corinhos. Foi uma das
minhas poucas iniciativas que surtiram um efeito duradouro. Na década de
50, os corinhos apresentavam erros gramaticais, textos com argumentação
raquítica e melodias com apelo popularesco. Eram bisonhas imitações dos
cânticos da comunidade católica de Taizé (França). No decorrer de
quatro décadas, foram aprimorados. Inicialmente importados, exigiam
traduções, nem sempre fiéis às letras originais. Esses cânticos
procederam, na década de 70, do movimento “Praise and Worship” (Louvor e
Adoração). Não somente a música, mas também o culto deveria ser
“contemporâneo”. Na década de 90, surgiram nas igrejas as “equipes de
louvor”. Esse movimento carismático evangélico, inspirado por uma
teologia pentecostal, era fortemente apoiado por gravadoras, editoras,
emissoras de rádio e televisão, e eficientemente divulgado pela Hillsong
e pela Vineyard. Esse tipo de “música cristã popular” reflete o
individualismo do cultuante, mesmo quando ele se encontra em um contexto
social (a igreja), e cria uma atmosfera de euforia, ainda que ele seja
um pecador precisando de confissão, arrependimento e santificação.
A diferença entre a música sacra tradicional e a música cristã contemporânea é apenas uma questão de ritmo?
“Música
cristã contemporânea” é o termo apropriadamente aplicado à música que
surgiu, na década de 60 do século passado, nas igrejas protestantes e
evangélicas dos Estados Unidos e da Inglaterra, por influência da Igreja
Anglicana e da Igreja Romana, quando aceitaram em seus cultos ritmos,
estilos e instrumentos da música profana popular. Além do ritmo, ela
difere muito da música sacra. Esse estilo musical teve o apoio de um
movimento reavivalista (“Jesus Movement”), em contrapartida ao movimento
esquerdista (“Peace Movement”), pois os jovens da época acharam que as
práticas tradicionais de culto e de evangelização estavam
desatualizadas. Os que eram músicos procuraram desenvolver novas
técnicas de composição e execução musical, para sensibilizar a massa de
jovens atraída pelas campanhas evangelísticas. O novo estilo de música
cristã “contemporâneo”, diferente do “tradicional”, incorporou formas da
música popular norte-americana. Na década de 70, algumas igrejas de
cunho pentecostal adotaram um estilo folclórico, divulgado pela
gravadora Maranatha. Tudo isso aconteceu porque os dirigentes musicais
da época não exerceram sua função educativa; não ensinaram a juventude a
discernir entre música religiosa e música profana. Outro fator foi a
conversão de músicos profanos que, rápida e naturalmente, levaram seus
ritmos, estilos e instrumentos musicais para o novo ambiente social (as
igrejas), onde foram recebidos como atuais e bons. Ao mesmo tempo, os
jovens das igrejas evangélicas estavam sendo fortemente influenciados
pela música popular. Não estarei exagerando ao acreditar que muitos
deles participaram do recente Rock in Rio.
O que é música gospel?
A partir do termo “gospel” distinguimos três tipos: o de culto, o de concerto e o de espetáculo.
Na
década de 90, algumas igrejas, especialmente as de negros, praticavam
nos Estados Unidos o “gospel” que consideravam adequado para ser
executado durante o culto divino. O de concerto era apresentado por
grupos vocais profissionais em um estilo sofisticado. O de espetáculo
ainda hoje integra o repertório de grupos profissionais que cantam
letras religiosas envolvidas pelo “jazz”. As igrejas no Brasil, a rigor,
não adotam qualquer desses três tipos; cantam como novidade ou por
excentricidade; portanto, não há como falar em “gospel”. Experimentado
por compositores e cantores evangélicos no Brasil, é modismo artificial,
um tanto ultrapassado. Durante 300 anos (1660-1990) desenvolveu-se a
salmodia e a hinódia nas igrejas protestantes e evangélicas. Desde 1960
tem havido a substituição dessas formas tradicionais de canto
congregacional pela cantoria. O que temos é, simplesmente, “música
evangélica”. Esta tem sido deturpada, na origem e no destino, por
compositores e cantores.
O senhor
considera a nomenclatura “sacra” em “música sacra” uma mera referência
ao gênero musical ou também uma referência teológica?
Toda
música sacra é religiosa, mas nem toda música religiosa é sacra. Música
sacra, ou litúrgica, é a música consagrada a Deus, de acordo com a
liturgia determinada pela autoridade eclesiástica. Dos séculos 4 a 6,
havia controvérsias entre os teólogos sobre a música durante o culto. Na
Idade Média, Tomás de Aquino manifestou um certo embaraço para defender
o canto litúrgico. No século 16, a Igreja Católica Romana, por
intermédio do Concílio de Trento, proibiu toda espécie de música.
Entrementes, as igrejas protestantes e evangélicas prestigiavam a
execução musical. A Igreja Ortodoxa proibia a música instrumental; a
música de culto se restringia ao canto coral. Cremos que, em qualquer
igreja ou comunidade cristã local, a boa música deve ser regulada pela
boa teologia para produzir boa doxologia. As liturgias cristãs tomaram
formas diversas, que variam segundo um critério geográfico e histórico e
também de acordo com cada igreja. As igrejas que adotam liturgias são
compostas por comunidades antioquenas, maronitas, bizantinas, armênias,
nestorianas, caldaicas, malabares, coptas e etíopes (no Oriente); de
ritos romano, ambrosiano, moçarabe e gálico (na Igreja Católica
Ocidental); de vários ritos (na Igreja Ortodoxa). No Brasil, adotam
liturgia a Igreja Anglicana, as Igrejas Luteranas, a Igreja
Presbiteriana, a Igreja Presbiteriana Independente e a Igreja Metodista.
Pelo que sabemos, as igrejas batistas e congregacionalistas não adotam.
Atualmente, parece que a música nas igrejas atingiu o seu paroxismo.
Na sua opinião, é necessário valorizar a hinologia tradicional para a nova geração? Como fazer isso?
As
igrejas e suas comunidades locais devem prestigiar a sua música
tradicional. No caso das igrejas evangélicas, cabe aos ministros e
diretores musicais a função educativa. Não basta cuidar da execução
musical. Eles devem transmitir noções a respeito da história da salmodia
e da hinódia de suas respectivas igrejas. O espaço aqui é exíguo para
discorrer sobre o assunto.
Como o senhor avalia os cânticos com melodias e ritmos brasileiros?
Sou
favorável à atualização das melodias da música evangélica, ao
aproveitamento criterioso das constâncias melódicas, rítmicas e
harmônicas da música brasileira. Na década de 70, publiquei aqui o
artigo “Por um hinário brasileiro”.
A
música sacra erudita dos nossos dias também sofre do esvaziamento de
conteúdo bíblico e teológico como a “música ‘gospel’” atual de maneira
geral?
A música sacra erudita da atualidade, em
geral, tem honrado os padrões estéticos e teológicos dos séculos
passados. Podemos citar os compositores John Rutter (anglicano, inglês) e
Amaral Vieira (católico, brasileiro), que estão remediando os estragos
causados na década de 60 por alguns outros músicos em suas respectivas
igrejas. Em termos práticos, na música do século 20 ocorreu o
favorecimento da mídia para o predomínio do profano e a ostensiva
negação do sagrado. Alguns músicos evangélicos chegaram a dizer: “Não
existe música sacra”.
Qual o papel da música cristã na vida da igreja (corpo de Cristo)?
A
música deve contribuir para a pureza das igrejas e de seus membros (Fp
4. 8). Tanto quanto possível, a música de culto deve ser sacra. Essa
música específica é caracteristicamente funcional; é elaborada e
executada para exercer certas funções na vida da igreja; não é
ornamental e alternativa, como é o caso da música de entretenimento. O
pior é que às vezes a comunidade local não estabelece qualquer norma a
ser observada por regentes, cantores e instrumentistas. Lamentavelmente,
peças musicais que não obedecem às normas são executadas como se fossem
sacras. Os organizadores de certos hinários cometeram o equívoco de
neles incluir o movimento coral da “Sinfonia número 9”, de Beethoven;
trata-se de poema panteísta, sem vínculo com a nossa fé religiosa, e que
tem servido de manifestação de posições ideológicas contrárias às
nossas. Peças desse tipo não são “música de igreja”, muito menos música
de culto. Os principais pontos positivos da atual produção hinódica são:
1) renovação dos temas dos hinos, para incluir a preocupação
contemporânea com a responsabilidade social da igreja, a segurança das
famílias e a fidelidade dos cristãos na manutenção financeira das
igrejas; 2) atualização das melodias. Os pontos negativos são: 1) a
ênfase no louvor sem o consequente comprometimento do cultuante na
obediência aos mandamentos divinos e aos ensinos cristãos; 2) a
insuficiência de hinos que levem o pecador ao arrependimento, confissão e
santificação.
Johann Sebastian Bach e
George Frideric Handel nasceram no mesmo país (Alemanha) e no mesmo ano
(1685). Qual o senhor aprecia mais: o “Jesus, alegria dos homens”, de
Bach, ou o “Aleluia”, de Handel?
Aprecio igualmente
“Jesus, alegria dos homens” e “Aleluia”, alguns trechos extraídos de uma
cantata de Bach e de um oratório de Handel, respectivamente. No
conjunto da obra dedicada à música sacra minha preferência é por Bach.
Handel compôs mais música profana. Creio que as cantatas de Bach
deveriam ser mais aproveitadas nos concertos corais das igrejas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário