O leitor pergunta
Ed René Kivitz
Pastor,
somos alunas do curso de missão integral do Centro Evangélico de
Missões (CEM) em Viçosa. Estamos fazendo um trabalho sobre a história da
igreja nos séculos 20 e 21 e, para tanto, recolhendo opiniões de alguns
líderes cristãos. Gostaríamos de saber: qual a sua visão sobre o
neopentecostalismo? como o secularismo tem influenciado a igreja, na sua
opinião? qual deve ser a postura da igreja para evitar que ele corrompa
a essência do cristianismo? qual o seu conselho para a igreja
brasileira hoje?
Obrigado pelas perguntas que
apresentam temas desafiadores: neopentecostalismo, secularismo,
cristianismo e igreja evangélica brasileira. Em primeiro lugar, devo
esclarecer que nem o cristianismo nem a igreja evangélica brasileira são
realidades estáticas e monolíticas. Isto é, existem muitos
cristianismos e muitas igrejas evangélicas brasileiras. Contudo, de fato
observo essas duas tendências no movimento cristão evangélico
contemporâneo: o secularismo e o neopentecostalismo. Parece até que um
responde ao outro e que estamos condenados aos extremos da dialética da
história: o neopentecostalismo com sua ênfase mágica confrontado pelo
secularismo com sua absolutização da razão. Vejo o neopentecostalismo
como uma consequência natural do secularismo.
Secularismo
significa viver sem a necessidade de Deus. Isso é fruto da chamada
modernidade, um fenômeno do século 17 que afirmou a supremacia da
racionalidade científica e do indivíduo acima da fé, da religião e de
suas instituições. O impacto do secularismo e da modernidade pode ser
constatado, nos últimos dez anos, pelo fechamento de em média duzentos
templos cristãos por mês na Europa. Porém, o rebote da modernidade não
demorou a surgir. A modernidade não conseguiu provar que Deus não
existe, pois Deus não é variável epistemológica, isto é, ele não é
passível de verificação em testes de laboratório. Todavia, ela conseguiu
desferir um duro golpe nos representantes de Deus, notadamente nas
instituições religiosas e no clero.
A modernidade
secular, por outro lado, abriu espaço para o aprofundamento do desespero
e da consciência de vulnerabilidade do ser humano. Um universo vazio de
Deus é também um universo vazio de sentido (niilismo) e sem critérios
morais para a ordenação da vida: “Se Deus não existe tudo é permitido”
[Dostoiévski]. O ser humano, que se afirmou com pretensões absolutas,
não conseguiu superar a angústia diante de sua finitude, o medo da
morte, o flagelo do sofrimento e a sensação de abandono em um universo
imenso.
O dia seguinte da modernidade amanheceu com novos
contornos: o ressurgimento da busca da experiência espiritual e da
experiência religiosa privatizada, não tutelada pelas hierarquias das
religiões formalmente organizadas. Isso explica, pelo menos em parte, o
neopentecostalismo, que coloca Deus a serviço do bem-estar humano e
manipula o sagrado e os poderes espirituais, a fim de resolver a vida em
termos mágicos.
Aqueles que não se submetem a uma
experiência espiritual infantilizadora e alienante buscam respostas mais
próximas das categorias do secularismo, tentando afirmar a necessidade
de o ser humano se emancipar do Deus interventor, tipo papai do céu,
muito parecido com papai noel. Aqueles que consideram a convocação do
ser humano para que assuma seu papel na construção da sociedade, da
história e do futuro uma ofensa a Deus, correm para a absolutização da
fé em termos mágicos, próximos da feitiçaria. Dias difíceis. Entretanto,
como nos ensinou John Stott, “crer é também pensar”.
• Ed René Kivitz
é pastor da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo. É mestre em
ciências da religião e autor de, entre outros, “O Livro Mais
Mal-Humorado da Bíblia”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário