OPINIãO
Atualizando
a parábola do rico e do pobre, ou o confronto de João Batista com
Herodes, banquetes, ceias, e comemorações de fim de ano, uma festa para a
massificação do consumo e desperdício está em andamento, e ao mesmo
tempo se exibe uma falsa privacidade. Ninguém pode mais concordar com
Hegel, filósofo muito interessante. É uma pena! Dizia que “a privacidade
nos ajuda a viver num mundo sem compaixão”. Hoje, esse conceito não
funciona mais. Para muitos não há mais um mundo privado para reflexão.
Agimos “como um cão que volta ao seu vômito” (Lc 16,19-31). De que vale a
privacidade num mundo assim? A cultura utilitarista predomina. Como
objetos comprados, descartáveis, “use e jogue fora”, os valores de uma
ética de partilha e solidariedade são atirados no lixo sem o menor
pudor.
O Advento e a Natalidade do Senhor nada
significam, hoje. O problema, no entanto, são os valores veiculados em
substituição aos tradicionais sobre amor, solidariedade, compaixão e
cuidado com o outro. Ideias voyeuristas expõem o ser humano como
mercadoria barata, afirmando isoladamente a falta de importância das
mesmas. Como diz Jurandyr Freire, vive-se uma cultura sitiada pelo
dinheiro nas festas de fim de ano. Uma geração inteira encontra-se
dopada, quando se encarrega de adotar e veicular os “novos valores” sem
nenhum controle. A compulsão do evangelical business não deve ser
desprezada. A juventude evangélica, “diante do trono” gospel, sabe muito
bem que estamos falando da cultura do dinheiro. Aderimos ao tema
mundial “muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender”. Fim de papo.
Consumo
rápido, fast-food: molho de tomate, hamburguer são alimento e sangue
dessa nova cultura. Jovens evangélicos abraçam o gospel como religião
emocional salvadora. São inaugurados bares e boates gospel para o
compartilhamento cultural do novo jeito de ser “crente moderno”. Jovens
de outras tendências, possivelmente não-religiosos, extasiados, adeptos
confessos da cultura rock, marcam os costumes das novas gerações com
piercings, tatuagens, uso “quase livre” de drogas estimulantes, para
vários fins, como os comprimidos de ecstasy e viagra para a inapetência
geral. Vale tudo, enquanto são convidados a esquecer a História, as
lutas pelas liberdades civis e direitos fundamentais do homem e da
mulher. O passado não interessa, o presente justifica tudo. Comamos e
bebamos, aproveitemos, porque amanhã... não interessa.
Poucas
décadas atrás, o anseio de liberdade devido às ditaduras e a
sustentação de totalitarismos em todos os quadrantes, a precarização do
ensino, o desemprego, a ausência de liberdades civis, cidadania,
direitos humanos, levava os jovens às ruas. Quem imagina jovens
apaixonados por festivais gospel, e encontros carismáticos,
“marchas-com-jesus”, frequentadores de shoppings, nas ruas reivindicando
direitos fundamentais para a sociedade toda? A obsessão consigo mesmos
se manifesta menos no ardor do gozo da juventude que no medo da velhice,
da doença, na panacéia oferecida como remédio para aproveitar bem o
tempo em atividades que dão prazer ao corpo, a qualquer custo, menos que
os prazeres da alma e do espírito (Gilles Lipovetsky).
Há
inquietações, no entanto. Tudo deveria inquietar e desassossegar. O
terrorismo e seus estragos na paz mundial que nunca chega, a fome
global, a poluição urbana, a ausência da socialização das riquezas
monetárias (nunca tantas pessoas tiveram tanto dinheiro, bens, posses,
possibilidades que envolvem o direito à propriedade ilimitada), a
violência nas periferias das metrópoles, a fragilidade do corpo diante
de enfermidades antigas e recentes (o drogadismo farmacológico, entre
outras). A compulsão consumista equivale às demais compulsões pelo
álcool, pelas drogas leves ou pesadas, pelo sexo, pelo jogo, pelo
trabalho sem repouso.
Entre os etariamente
maduros, também, todos ficam felizes. No Natal, nas comemorações com
parentes e amigos, falaremos de moral, ciência, religião, política
partidária, esportes, amor, filhos, saúde, alimentação saudável, esteira
rolante, eletrocardiograma, mamografia, ultrasom, próstata,
colunoscopia, medicina de ponta, e mesmo assim chega o dia inevitável em
que se vai para o caixão. “E virá a próxima geração de idiotas, que
também falará sobre a vida e o que é apropriado para se viver bem. Meu
pai se matou, os jornais o deixavam deprimido. E você pode culpá-lo com o
horror, a corrupção, a ignorância, a pobreza, o genocídio, o
aquecimento global, o terrorismo, os valores morais imbecis e os imbecis
armados até os dentes”? (Woody Allen). Levar gol contra acaba
cansando... Contudo, urge observar os temas do Advento do Senhor.
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É pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor do livro “O Dragão que Habita em Nós” (2010).
- Textos publicados: 49 [ver]
-
Site: http://www.derv.wordpress.com
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