sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A missão do reino de Deus (parte 1)

A missão do reino de Deus (parte 1) – Edição 337 | Revista Ultimato


A missão do reino de Deus (parte 1)

René Padilla
Em sua essência, a missão da Igreja é a missão do reino de Deus. A expressão “reino de Deus” — ou “reino dos céus” — aparece mais de cem vezes nos Evangelhos, frequentemente na boca de Jesus. Ainda que não se encontre no Antigo Testamento, para entendê-la devidamente é necessário interpretá-la à luz da esperança messiânico-judaica derivada do Antigo Testamento. Vejamos, primeiramente, em que consistia essa esperança para o povo de Israel, para depois refletirmos sobre seu cumprimento por meio de Jesus Cristo.
 
O êxodo é o evento por meio do qual Deus liberta Israel da escravidão do Egito em resposta ao seu clamor. O Deus de Abraão, Isaque e Jacó chama Moisés para tirar seu povo da opressão e levá-lo a “uma terra boa e larga, a uma terra que mana leite e mel” (Êx 3.7-10). O primeiro beneficiado é Israel, mas sua libertação tem um propósito de alcance universal: Deus quer constituí-lo “luz das nações”, um povo exemplar quanto à prática do monoteísmo e da justiça. Para isso apontam passagens como Levítico 19.9-18; 25.1-55 (o jubileu) e Deuteronômio 10.1-19; 15.4, 7-9; 16.19-20; 24.17-22. Assim, a promessa do pacto de Deus com Abraão terá seu cumprimento: “E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei [...] e em ti serão benditas todas as famílias da terra (Gn 12.2-3). 
 
Era parte do propósito de Deus fazer de Israel uma teocracia. No entanto, Israel abandonou esse propósito ao constituir-se em um povo regido por uma monarquia, com um rei que os governava, “como o [tinham] todas as nações” (1Sm 8.5; cf 8.19-20). A monarquia, estabelecida inicialmente como uma resposta que Samuel recebeu por parte dos israelitas nas circunstâncias descritas em 1 Samuel 8, fracassou. Quase todos os reis de Israel, longe de conduzirem o povo pelo caminho da obediência à lei de Deus, usaram seu poder para enriquecimento próprio e fomentaram a idolatria. Uma eloquente ilustração do juízo de Deus que espera os monarcas que deixam de lado a justiça é o juízo que Jeremias anuncia contra os reis perversos no capítulo 22 de seu livro. O que os espera por haverem institucionalizado a injustiça, oprimindo o estrangeiro, o órfão e a viúva, derramando sangue inocente (v. 3; cf. v. 17), explorando o próximo (v. 13) e buscando lucros desonestos (v. 17) é a destruição (v. 5-9) e o exílio (v. 10, 22, 24-27). 
 
Várias vezes, no entanto, a palavra de juízo vem acompanhada pela promessa de restauração, expressa frequentemente em termos que apontam para o pacto de Deus com Israel. É o que acontece, por exemplo, em Jeremias 23.5-6. Ao anunciar o castigo dos reis, vem uma palavra de esperança que tem como foco o advento de um descendente de Davi que “reinará e agirá sabiamente, e praticará o juízo e a justiça na terra”. No campo coberto de erva daninha, resultado da injustiça e da apostasia, Deus, em sua graça, faz florescer a esperança messiânica.
 
Muitos estudiosos concordam que a promessa de Deus para Davi por meio do profeta Natã em 2 Samuel 7.12-16 está na base dessa esperança. A promessa é que Deus exercerá o governo de Israel por meio de um rei sucessor de Davi. Por seu pacto davídico, Deus abençoará Davi e sua descendência incondicionalmente com um reino político terreno que durará para sempre. Tal promessa foi interpretada pelos judeus como uma promessa que se cumpriria escatologicamente, ou seja, no futuro. À luz desta esperança, não é difícil imaginar o desalento dos israelitas quando são derrotados e exilados por reis pagãos. Então se perguntam se Deus os esqueceu. Os profetas respondem que a derrota é consequência da idolatria e da injustiça por parte da monarquia. Consideram que o objetivo do poder político, econômico ou militar dos reis não é buscar seu próprio bem-estar, mas fazer justiça, ou seja, garantir que cada pessoa, família, clã ou tribo receba a proporção correta de poder e bens. Quando não cumprem seu dever, tanto os governantes como o povo sofrem as consequências.
Traduzido por Wagner Guimarães.
• C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de O Que É Missão Integral?.


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