O hissopo molhado no sangue do Cordeiro
O problema da mancha em Davi
Se
no Salmo 32 o adúltero e assassino quer livrar-se da culpa, no Salmo 51
ele quer livrar-se da mancha. Davi quer se desfazer do escândalo,
então, por duas vezes, usa o verbo “apagar”: “Por tua grande compaixão,
‘apaga’ as minhas transgressões” (v. 1) e “‘Apaga’ todas as minhas
iniquidades” (v. 9). Davi quer ficar limpo, então, por duas vezes, usa o
verbo “lavar” e, em outras duas, “purificar”: “‘Lava-me’ de toda minha
culpa e ‘purifica-me’ de meu pecado” (v. 2). E ainda: “‘Purifica-me’ com
hissopo, e ficarei puro; ‘lava-me’, e mais branco que a neve serei” (v.
7).
A mancha era visível para o rei e para seus
súditos. Por sua posição (a autoridade máxima de Israel), seu prestígio
(todo mundo o aclamava), seu histórico (a começar com a vitória sobre
Golias), sua veia musical (exímio tocador de harpa, cantor e compositor
de salmos de louvor) e sua espiritualidade (expressa no Salmo 23), a
queda de Davi não foi uma queda qualquer. Ele se enlameou por culpa de
sua leviandade, seus olhos adúlteros, sua cobiça, seu imediatismo, seu
adultério, sua hipocrisia e seu crime de morte. De fato foi um vexame,
uma vergonha, um horror! Dadas essas circunstâncias, teria sido menos
vergonhoso ficar de quatro, comer capim com os bois, deixar crescer os
pelos e as unhas por sete anos, como aconteceu com outro rei (Dn 4.23).
Porém, graças à confissão de seu pecado e à misericórdia de Deus, Davi
saiu da sujeira e ela saiu dele!
A memória de Davi
estava afiada quando ele compôs o Salmo 51. Ele se lembrou do arbusto
aromático de um metro de altura, com cachos de flores amareladas, que
crescia nas fendas das rochas e era cultivado nos muros das varandas,
que se chama hissopo. Ele se lembrou, no momento certo, da décima praga,
quando todos os primogênitos do Egito morreram e os de Israel
sobreviveram, porque os israelitas molharam um feixe de hissopo no
sangue de um cordeiro sem defeito morto naquele dia e besuntaram o alto e
as laterais da porta de suas casas. Graças a essa providência, que
prefigurava o sacrifício do “Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo” (Jo 1.29), eles foram poupados e puderam sair do Egito (Êx
12.22). Ele se lembrou também do uso do hissopo nas cerimônias de
purificação estabelecidas por Moisés (Lv 14.51-52). Daí a sua oração:
“Purifica-me com hissopo, e ficarei puro” (Sl 51.7).
Muitos anos depois, João diria que “o sangue de Jesus, o Filho de Deus, nos purifica de todo pecado” (1Jo 1.7).

O sereno que seca no calor do verão
O problema da culpa em Davi
A
mão de Deus é muito pesada por algumas horas. Quanto mais por nove
meses seguidos! Durante esse longo período, o vigor de Davi foi se
esgotando como “o sereno que seca no calor do verão”. O esforço para
manter oculto por muito tempo o pecado é desgastante. Enquanto a
providência é essa, não há alívio de espécie alguma. Davi mesmo explica:
“O sofrimento continuou até que admiti minha culpa e não escondi mais o
meu pecado”. Como consequência, “o Senhor perdoou a culpa do meu
pecado” (Sl 32.5).
A remoção da culpa não se dá de
qualquer maneira. Ela só acontece depois da confissão e esta só vem
após a plena consciência do pecado. A confissão formal não resolve nada.
Não pode haver trapaça, falsidade, hipocrisia, barganha ou desculpa na
confissão. O confessante não pode dividir sua culpa com outros, mesmo
que ele não tenha pecado sozinho. No momento da confissão, ele não pode
acusar ninguém, não pode ver nem sequer o cisco que está no olho dos
outros; antes, precisa se concentrar na tábua que está no seu próprio
(Mt 7.3). Essa é a rota do perdão. A absolvição, a remoção da culpa é
algo absolutamente certo. Depois de todo o processo, cuja velocidade
depende da não resistência e da humildade do pecador, a ofensa é tirada,
a culpa é cancelada, o débito é enterrado e o pecado é coberto. Antes
era o pecador quem cobria seu próprio pecado, e a culpa persistia. Agora
é o perdoador quem dá sumiço ao pecado, atirando-o “nas profundezas do
mar” (Mq 7.19). Antes o entusiasmo de Davi pela vida era como um sereno
secado pelo calor do sol. Depois da confissão, o pecado de Davi é como a
neblina da manhã que o sol faz desaparecer (Is 44.22).
Livre
da culpa deixada pelo adultério e pelo assassinato de Urias, Davi pode
cantar: “Como é feliz aquele que tem suas transgressões perdoadas e seus
pecados apagados” (Sl 32.1).
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