Rubem Amorese
Natal
é tempo mágico, diz a cultura popular. É tempo de milagres. De fato, a
análise do Advento nos revela muitos acontecimentos miraculosos; desde a
concepção virginal de Maria até o aparecimento da estrela guia,
envolvendo anjos, magos, pastores, anunciações, profecias, livramentos e
muitos outros eventos que marcam o fato maior de nossa fé: Deus visitou
seu povo e o fez por meio da encarnação do Filho.
Os
filmes a que assistimos nessa época relatam acontecimentos do tipo
“impossível”: o pai que volta para casa; a jovem mãe que deixa de se
drogar por amor ao seu bebê; o filho que abandona a rebeldia; a família
separada por ódios e rancores que se reúne para a ceia do dia 24; o
casal estremecido pela perda de um filho que encontra novo alento na
adoção, e assim por diante. Esses eventos impossíveis normalmente têm a
ver com corações renovados, com almas transformadas. Milagres.
Estou
retratando uma percepção popular, “quase religiosa”, do Natal. É o
máximo que o “espírito das festas” permite, sem que se transforme a data
em “nascimento de Jesus”, fato há muito esquecido.
Chama-me
a atenção como a maioria desses milagres envolveu longos processos,
seja a preceder ou a suceder os eventos em si. Pensemos no nascimento de
Jesus: condições especiais foram preenchidas, lutas foram travadas,
reinos ruíram. O milagre foi precedido de preparação, sonhos, choro e
riso, esperança acalentada por muitas gerações. Ações posteriores foram
também necessárias, as quais se desenrolam até hoje. De fato, o milagre
do Natal não é apenas um acontecimento do passado, mas um processo que
alcançou sua plenitude no tempo e se estendeu em seus efeitos para o
futuro.
Eu creio em milagres -- quase sem a necessidade
de processos anteriores. Como aquele em que Jesus interrompe um enterro e
ressuscita o jovem. Entretanto, penso que temos a tendência de nos
esquecer dos processos, ofuscados pelo brilho do milagre em si. Perdemos
de vista uma grande quantidade de eventos que prepararam o momento e,
mais ainda, esquecemos os que o seguiram.
Eu diria que o
milagre é o “miolo” de um complexo de fatos, circunstâncias e corações
dispostos na linha do tempo. Costumamos perceber o poder liberado quando
a água da caldeira ferve, mas nos esquecemos do fogo, do lento
aquecimento, do vapor, da locomotiva. Isso é natural, pois chama-nos
mais atenção a “mudança de estado” da água, o fato transformador.
Estou
estudando italiano. Aprender uma nova língua, a essa altura da vida,
será um milagre. Sei do esforço diário a cada mês, a cada ano. Foi assim
com a encarnação. Tem sido assim a forma como Deus tem redimido minha
vida -- um longo processo milagroso.
Essa percepção do
processo do milagre me ajuda a “esperar em Deus” de olhos bem abertos e,
uma vez percebido o milagre, a não abandonar seus desdobramentos.
Inclusive a gratidão. Essa longa visão me ajudará a cantar com o
salmista: “Esperei confiantemente no Senhor”. E também: “Eu sou pobre e
necessitado, porém o Senhor cuida de mim”. É assim que ele me tem posto
nos lábios um novo cântico (Sl 40.1, 3 e 17).
• Rubem Amorese
é presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília, e foi
professor na Faculdade Teológica Batista de Brasília por vinte anos.
Antes de se aposentar, foi consultor legislativo no Senado Federal e
diretor de informática no Centro de Informática e Processamento de Dados
do Senado Federal. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Fábrica de Missionários -- nem leigos, nem santos.
ruben@amorese.com.br
ruben@amorese.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário